O Impacto da Comunidade Cigana na Sociedade
Acolher ou Rejeitar
“O valor de uma civilização aferir-se-á sempre um pouco pelo domínio Sobre a natureza, mas sobretudo pela compreensão do estranho ser que é o
Homem, pela sua dignificação como ente portador duma parcela de infinito, pelo Grau de sociabilidade entre povos que tenha conseguido adoptar...”
Salazar
Prefácio
A diferença ou a igualdade reside no modo de vida que cada pessoa (ou comunidade) adopta.
Não é a sociedade em geral que escolhe discriminar esta ou aquela cultura, por vezes, são as pessoas que escolhem ser discriminadas.
A Etnia Cigana, com muitos séculos de tradição, é todo um conjunto de diferenças culturais que transportam de zonas para zonas, de país para país, transbordando de separações entre povos.
Nem sempre somos mantidos à margem da lei por livre vontade. No entanto somos nós quem condiciona o caminho a seguir.
Com os Ciganos, é precisamente o mesmo: sentem-se rejeitados pela sociedade em geral, sem no entanto nada fazer para alterar essa linha que os separa do resto da comunidade.
Se, por algum motivo, se sente vitimado, certamente que dirá que sim. No entanto vive à margem, não querendo de modo algum mudar o rumo da sua vida.
A resposta para esta questão reside em valores que se elevam para este povo: Séculos e Séculos de cultura e tradição, que para este povo se traduz numa questão de “ Honra Cigana”.
Nota Introdutória
Os ciganos, povo de vida itinerante têm a sua origem na Antiga Pérsia, provavelmente no final do século XIV, e conservaram hábitos e costumes diferentes. Por vagarem praticando a quiromancia e a cartomancia foram muitas vezes perseguidos e torturados, principalmente na Europa, sendo inclusive excomungados pelo papa Martinho V.
Crê-se que os ciganos deixaram a Índia, via Pérsia e Egipto, antes do final do primeiro milénio da nossa era.
Viajando em grupos para a Europa Setentrional e Ilhas Britânicas, atravessaram a África, penetraram na Espanha e acabaram finalmente por se estabelecer em todo o mundo ocidental incluindo os EUA, América do Sul e Austrália.
Embora alguns tenham sido aceites, na sua maioria os ciganos mantêm-se um povo à parte, com costumes e tradições diferentes.
Alguns grupos de ciganos falam uma língua diferente ( o romani ) que os distingue da comunidade onde, por vezes, estão inseridos.
Minoria ostensivamente diferente, onde quer que estejam, os ciganos, têm sido perseguidos ao longo de toda a história. Na Idade Média foram acusados de bruxaria, durante a Segunda Guerra Mundial foram perseguidos pelos nazis.
Actualmente ainda é muito comum a itinerância dos ciganos que trazem consigo sentimentos de liberdade e independência, apesar da descaracterização de alguns grupos que, com o passar do tempo, foram sofrendo a mistura com outras etnias.
Os ciganos apreciam sobretudo a liberdade de poderem estar sempre em contacto com a natureza, uma vez que preferem acampamentos em áreas rurais.
Normalmente vivem da venda de bijuterias, roupas, rendas e bordados. O costume de ler a sina de porta em porta caiu um pouco em desuso, em parte devido ao preconceito e, por vezes, ao medo que os outros sentem deles.
Os ciganos têm por hábito passar as suas tradições de pais para filhos, conservando assim os traços mais importantes da sua cultura. Actualmente muitos ciganos já são sedentários, moram numa casa e exercem uma profissão em nada diferente de qualquer outro membro da sociedade.
Pensa-se que a hostilização em relação aos ciganos diminuiu um pouco, e que estes são um povo com uma cultura muito própria que deve ser respeitada e perpetuada para sempre. Porém, há quem pense que ser cigano hoje, já não é o que era, e que a cultura cigana com o tempo tem tendência a assimilar outras formas de cultura.
Traços Históricos
A lenda cigana...
Os Ciganos contam numa de suas lendas que no passado tinham um rei, que guiava sabiamente o povo numa cidade maravilhosa da Índia, chamada Sind. Ali o povo era muito feliz, até que hordas de muçulmanos expulsaram os Ciganos, destruindo a sua cidade. Desde então foram obrigados a vagar de uma nação a outra..
Mas, como dissemos, trata-se de uma lenda .As informações mais seguras sobre suas origens foram obtidas através de estudos linguísticos feitos a partir do século passado.
A comparação entre os vários dialectos que constituem a língua cigana, chamada romaní ou romanês, e algumas línguas indianas, como o sânscrito, o prácrito, o maharate e o punjabi, só para citar algumas, permitiu que se estabelecesse com certeza a origem indiana dos Ciganos.
Todavia a razão pela qual abandonaram as terras nativas da Índia permanece ainda envolvida em mistério.
Parece que eram originariamente sedentários e que devido ao surgimento de situações adversas, tiveram que viver como nómades.
Segundo outra lenda, narrada pelo poeta persa Firdausi no século V d.C., um rei Persa mandou vir da Índia dez mil Luros, nome atribuído aos Ciganos, para entreter o seu povo com música.
É provável que a corrente migratória tenha passado na Pérsia, mas em data mais recente, entre os séculos IX e X. Vários grupos penetraram no Ocidente, seja pelo Egipto, seja pela via dos peregrinos, isto é, Creta e o Peloponeso.
Àquele período remonta a denominação Zíngaros ou Ciganos. De facto, a etimologia do nome Zíngaro ou Cigano é provavelmente constituída pelo termo grego medieval athinganoi, isto é, "intocáveis", atribuído a uma seita proveniente da Frigia; era também o nome atribuído a magos, adivinhos, encantadores de serpentes, ou seja, a um modo de vida próximo à dos Ciganos.
A recente descoberta de um documento permitiu saber que em 1378 um rei búlgaro teria cedido a um monastério algumas vilas povoadas por Ciganos.
A chegada à Europa situa-se aproximadamente em 1417, e, dez anos mais tarde, em 1427, foram constatados em Paris Ciganos guiados por chefes que se faziam chamar duques e voivodos.
De facto, para serem bem acolhidos, diziam ser peregrinos provenientes do Pequeno Egipto (região do Peloponeso) donde a origem do nome Gitanos (transformação de Egipcianos) atribuídos a eles próprios, após o equívoco surgido com relação à sua proveniência.
Eles diziam-se obrigados a vagar pelo mundo por sete anos como penitência; afirmavam que haviam sido perseguidos pelos Sarracenos e obrigados a renegar a sua fé cristã.
Os reis daquele tempo - sempre segundo estes - fizeram com que se dirigissem ao Papa, que lhes impôs uma penitência e lhes deu credenciais para que fossem bem acolhidos onde quer que fossem.
Além das coisas que os Ciganos contavam para que fossem bem tratados, sabe-se que a princípio o acolhimento foi bom porque o carácter misterioso da sua origem havia deixado uma profunda impressão na sociedade medieval.
Porém, no espaço de alguns decénios, a curiosidade transformou-se em hostilidade, devido aos hábitos de vida muito diversos daqueles que tinham as populações sedentárias.
A presença de bandos de ex-militares e de mendigos entre os Ciganos, contribuiu para piorar sua imagem; além disso as possibilidades de assentamento eram escassas, pelo que a única possibilidade de sobrevivência consistia em viver às margens da sociedade.
Os preconceitos já existentes eram reforçados pelo convencimento difundido na Europa de que a pele escura fosse sinal de inferioridade e de malvadez...o diabo, com efeito, era pintado de negro.
Os Ciganos eram facilmente identificados com os Turcos porque indirectamente, e em parte, eram provenientes das terras dos infiéis; eram, portanto, considerados inimigos da igreja, a qual, além disso, condenava as práticas ligadas ao sobrenatural, como a cartomancia e a leitura das mãos que os Ciganos costumavam exercer.
A falta de uma ligação histórica precisa, a uma pátria definida, ou a uma origem segura não permitia que se lhes reconhecesse como grupo étnico bem individualizado, ainda que por longo tempo haviam sido qualificados como Egípcios.
A oposição aos Ciganos delineou-se também nas corporações, que tendiam a excluir concorrentes no artesanato, sobretudo no âmbito do trabalho com metais.
O clima de suspeitas e preconceitos percebe-se no florescimento de lendas e provérbios tendendo a por os Ciganos sob mau prisma, a ponto de se recorrer à Bíblia para os considerar descendentes de Cam, e portanto, malditos (Génesis 9:25).
Difundiu-se também a lenda de que eles teriam fabricado os pregos que serviram para crucificar Cristo (ou, segundo outra versão, que os teriam roubado, tornando assim mais dolorosa a crucificação do Senhor).
Dos preconceitos, passou-se, aos poucos, a formas sempre mais acentuadas de discriminação, até chegar a verdadeiras e próprias perseguições.
Sabemos que na Sérvia e na Roménia foram mantidos em estado de escravidão por um certo tempo; a caça ao Cigano aconteceu com refinada crueldade e com bárbaros tratamentos. Deportações, torturas e matanças foram praticadas em vários Estados, especialmente com a consolidação dos Estados nacionais.
Sob o nazismo os Ciganos tiveram um tratamento igual ao dos Judeus: muitos deles foram enviados aos campos de concentração, onde foram submetidos a experiências de esterilização, usados como cobaias humanas, com todo tipo de inacreditáveis sevícias.
Calcula-se que meio milhão de Ciganos tenha sido eliminado durante o regime nazista.
Actualmente, os Ciganos estão presentes em todos os países europeus, nas regiões asiáticas por eles atravessadas, nos países do oriente médio e do norte da África.
Na Índia existem ainda grupos que conservam os traços exteriores das populações ciganas: trata-se dos Lambadi ou Banjara, populações semi-nómades que os "ciganólogos" definem como "Ciganos que permaneceram na pátria".
Na América e na Austrália, chegaram a acompanhar deportados e colonos; e, sucessivamente estabeleceram fluxos migratórios para aquelas regiões.
Recentes estimativas sobre a consistência da população cigana indicam uma cifra ao redor de 12 milhões de indivíduos.
Todavia deve-se salientar que estes dados são aproximados, uma vez que, na ausência de censos, esses se baseiam em fontes de informação nem sempre correctas e confirmadas.
Na Itália, inicialmente, o grupo dos Sintos representava uma grande maioria, sobretudo no Norte; mas nos últimos trinta anos esse grupo foi progressivamente alcançado e às vezes suplantado pelo grupo dos Rom, provenientes da vizinha ex-Jugoslávia e, em quantidades menores, de outros países do leste europeu.
Na Itália meridional já estava presente há muito tempo o grupo dos Rom Abruzzesi, vindos talvez por mar desde os Balcãs, cuja permanência no território é notável pela sedentarização análoga à dos Gitanos na península ibérica.
“ Sobretudo, não deveis recear o Povo;
ele é mais conservador do que vós!”
História de um Povo...
Até ao século XX, a origem dos ciganos foi considerada um tanto misteriosas para os etnológicos, pois os vários tribos atribuíram a si próprio variadas providencias, uma vez que elas se teriam diferenciado devido a causas de varia ordem tais como ; o modo de vida de cada grupo, a cultura que cada pais adoptou para maior permanência, as lendas e região desses países.
"Povo misterioso". O povo Cigano vigora ainda por muito tempo será para nós Europeus um dos mais curiosos enigmas Históricos.
Deste modo surgiram lendas Cigana (algumas encantadoras) nascidas do mundo da bíblia outras do oriente de velhas religiões, tomando qualquer destes pontos com o berço desta diospora.
A Bíblia tem sido o maior manancial de oráculos, e das interpelações mais fantasistas, assim a propósito dos Ciganos, tem havido quem não hesite em ver neles a descendência maldita ele Caim.
Os textos do Génesis, grisando a maldição lançada sobre o irmão de Abel, evocam precisamente a origem de um povo nómada, lançando ao vento das desgraças.
Com esse efeito se repararmos no texto de Génesis, veremos que os descendentes de Caim foram atribuídos ocupações determinadas que afinal, vamos encontrar nas tribos ciganas que todos nos conhecemos.
Nas suas crenças religiosas persiste a recordação desta maldição original, as influencias
Outro grupo de lendas ligadas a origem do povo cigano refere-se a regiões muito vagas do oriente e Primeiro lugar do Egipto.
Há muitas tribos Calé referências à sua origem egípcia. Daí as próprias designações porque são conhecidas em vários países.
Uma variante russa da tradição dos Ciganos faz alusão à passagem do mar vermelho, quando as tropas do faraó foram engolidos pelas ondas , escaparam miraculosamente um jovem e uma jovem egípcios , que vieram a ser Adão e Eva dos Ciganos .
Apesar de tudo, as lendas Ciganas que afirmam uma origem egípcia não são muito numerosas e são poucos consistentes. No entanto na tradição dos ciganos de Portugal também existem referencias a essa origem.
Se muitas dessas hipóteses são pitorescas ou fantasistas, outras ousadas, e até desconcertantes; no entanto, nelas pode haver algum grão de verdade.
Um Olhar Sobre os Ciganos
O cigano forma um grupo fechado e mantém uma certa organização tradicional de clã: unido com outros clãs, nas grandes ocasiões, pratica em comum os costumes de seus antepassados, desde o nascimento até a morte.
Quando uma cultura, como a cigana, é quase exclusivamente tradicional, e gira em torno de valores afectivos centrados na família, cultura e Raça chegam a identificar-se.
A relação (ou interacção) entre os ciganos é sempre pessoal (primária) e tende forçosamente para a comunhão. Não são apenas relações de vizinhança, como nos pequenos grupos, mas essas relações pessoais são portadoras duma carga psicológica muito especial.
Na comunidade cigana sente-se a necessidade de comunhão íntima, quase biológica. A imagem que nos aproxima desta realidade é a comunhão familiar; porém, no cigano esta comunhão é muito mais intensa, e estende-se a tudo que possa entender-se por família num clima patriarcal.
Dir-se-á que entre ciganos há um mútuo conhecimento pessoal; quando um cigano aceita ou repudia outro cigano, falo com verdadeiro discernimento de espirito.
Fora do grupo, ao contrário ele sente-se como arremessado a um mundo totalmente inospitaleiro, enquanto que no seu grupo, ele encontra segurança psicológica, refúgio, solidariedade e universo vivo.
O cigano tem um horizonte de relações pessoais maior que o nosso; porém, nesse horizonte se esgota a sua capacidade de relação. É praticamente incapaz de sustentar relações abstractas e manifesta-se reaccionário ás que a vida urbana lhe impõe; estas pertencem a coordenadas distintas, nas quais a sua vida não encontra a expressão. O cigano só se sente cigano no clã; nunca encontramos um cigano só. Porém o seu clã é numeroso e tem ramificações por toda a parte, onde se achem ciganos.
Todas as pessoas do grupo são livres, sem qualquer relação jurídica entre si; cada uma interpreta simplesmente o papel que a natureza lhe deu, prevalecendo as relações de parentesco e respeitando as diferenças de sexo e de idade.
Não existe entre os ciganos uma estrutura social que se sobreponha ás funções normais de cada membro da família.
A intensidade da vida familiar da comunidade cigana leva-nos a concluir que este povo é ensimesmado, e voltado para si mesmo, de tal modo que, onde ele termina, aí termina o seu horizonte humano. É o grupo que vive poderosamente no indivíduo.
O núcleo cigano em si não aumenta o número, porque está limitado pela capacidade de relação pessoal. Quando pressionados pela autoridade ou pela limitação do espaço urbano, podem conviver várias grandes famílias. As comunidades ciganas são, pois, pequenas. Também, como nos povos primitivos, o deslumbramento é uma das suas características.
Cada grupo desenvolve por si próprio aquelas actividades capazes de proporcionar-lhes a subsistência. Desafia todos os riscos, cujas consequências enfrentam todos em comum, enquanto no seio do grupo funciona uma exemplar comunhão de bens. Um grupo cigano não pode enfrentar a vida com a mesma segurança que outro grupo qualquer. No grupo cigano, tudo converge para criar uma profunda solidariedade grupal, capaz de superar as eventualidades mais inesperadas.
A comunidade é pequena, porque é proporcionada á sua capacidade de relação: porém, a pequenez desta comunidade, frente a um mundo hostil, confirma a sua solidariedade intensa e profunda da sua comunhão.
Na cidade não se compreende o viver senão no realizar-se em qualquer profissão ou numa vocação. Na sociedade cigana dificilmente se encontram especialista de tempo completo. A sua profissão é o ócio, no sentido latino do termo, e a actividade para produzir riqueza é nele um exercício liberal
As profissões que têm sido tradicionais nos ciganos são, de facto, actividades que podem ser realizadas por todos os homens; não necessitam de iniciação especial, e todavia, o cigano manifesta nelas uma destreza especial. É a destreza do artista, não a do profissional.
Hoje a sociedade ocidental não admite uma articulação de profissões, devido á revolução técnica. As responsabilidades familiares em nada os diferenciam para o trabalho: todos fazem as mesmas espécies de trabalho, participam da mesma tradição, têm êxitos e fracassos semelhantes.
Se a vida familiar cigana condiciona profundamente a economia e o trabalho, não é menos certo que a sua normatividade se estende também á habitação e á terra. O cigano teme terrivelmente a solidão individual e a separação, porém comunga com todo o universo através do clã: a sua insegurança provém menos da natureza do que dos homens. Se o encontro normal do homem com a natureza se verifica na pátria, no cigano verifica-se no clã: a pátria do cigano é o próprio sangue.
Os Ciganos na Rota da Europa
Segundo o testemunho de Pittard, os ciganos que viviam na Ásia menor, antes de surgirem na Europa teriam os mesmos hábitos que os seus descendentes directos que viviam nos Balcãs - «casas semi- subterrâneas, choças de barro amassado com palha , sobre as quais secavam bolas de palha amassada com bosta de vaca , tendas de pano seguras com pedras , carros puxados com cavalos ou búfalos.»
No espaço de um século, os ciganos vão aparecer por toda a Europa.
A Grécia (Creta, Crofu, Peloponesa) chegaram no último quartel do Século XIII, bem como a Bizâncio, e os vários pontos da península Balcânica. No primeiro quartel do século XIV há noticia deles na Alemanha, Países Baixos, Dinamarca, Itália.
Na Segunda metade desse século na Espanha, País de Gales. Á Rússia Países nórdicos, bem como á Escócia, chegaram muito nos primeiros anos do século XVI. Alguns autores afirmam que os ciganos chegaram muito mais cedo a alguns países da Europa.
Quase todos os grupos de ciganos aparecidos na Europa do século XV vinham munidos de salvo – conduto. As “Litterae Promotoriae” de Sigesmundo não eram únicas no tempo. Já desde do século XII a igreja passava destes salvo – condutos que dava a certos grupos autorizados a esmolar como nómadas, em nome de caridade. É claro que nem sempre procediam com espirito cristão: muitas vezes degeneravam em malfeitores e embusteiros .Assim, vemos suceder com os “goliardos “ e com falsos ermitas com peregrinos vendedores de relíquias da Terra Santa, etc. Daí talvez a razão de certos grupos nómadas de má reputação se terem confundido com os ciganos, por uma semelhança de costumes e da vida errante.
A “ promotoria “ do rei da Hungria, Boémia, Dalmácia, Croácia, etc. menciona um chefe de grupo cigano, um tal voivod Ladíslau. Daí ter permanecido ate hoje a ideia de um “Rei dos Ciganos “ .
Em 1422 há noticia de chegada de um grupo de ciganos Bolonha (Itália), sob a chefia de um tal “Duque Miguel “ (Miguel do Egipto), que trazia cerca de uma centena. Talvez fossem peregrinos que se dirigiam a Veneza para embarcar para a Terra Santa.
Muitas pessoas foram respeitosamente consultar a mulher do duque Miguel sob a sua sina ; nenhum desses consulentes voltava sem ter ficado com uma peça de roupa ou sem a bolsa. As mulheres desses ciganos percorriam as ruas da cidade durante serias horas, exibiam os seus talentos nas casas burguesas e apoderavam-se de tudo o que lhes ficava à mão. Outras entravam nas lojas para fazer compras, com o único fim de roubar.
Em toda a Bolonha os roubos sucediam-se em larga escala. Daí se resultou a publicação de uma multa de cinquenta Liras e a excomunhão contra todos aqueles que , de futuro confiassem em tais estrangeiros .
Importa registar pela primeira vez, a excomunhão como se tratasse de gente diabólica. Começa a fazer-se a confusão entre “ Boémios”, ciganos, gente diabólica.
Integração Social dos Ciganos
Os nómadas criam problemas aos sedentários, mas o que é facto é que estes também lhes criam dificuldades.
Os maiores desejos dos governantes foram sempre o de fixar os nómadas.
Este problema tem sido sempre visto à luz duma política social e não à luz da Etnologia. No entanto, fala-se por vezes que convém “integrá-los” conservando as suas particularidades”.
Este processo de actuação pode apresentar dois perigos:
Minimizar as diferenças, para melhor apresentar a assimilação;
Exagerar as dificuldades para melhor “folclorizar” os ciganos e até provar a superioridade das culturas nacionais.
Deste modo, os governantes, sem ouvirem os ciganos, colocam-nos numa situação de dependência, e depois fazem apelo a serviços sociais para lhes darem “uma autonomia”.
A cultura cigana terá de sofrer ainda por muito tempo os assaltos dos missionários que vêm no cigano apenas um terreno inculto, eriçado de superstições, que é preciso desbravar.
A igreja ainda vê no cigano, principalmente, um espírito ainda aberto ao maravilhoso, propenso à religiosidade. Põe-se em evidência certos aspectos ou traços culturais do cigano, fora de todo o contexto da sua cultura, tal como o “profundo espírito de virgindade da chavi”, para concluir que eles são cristãos como os outros.
A cultura cigana é baseada no nomadismo; querer sedentarizar um nómada é tão importante e tão grave como querer tornar nómada um sedentário.
É difícil permanecer cigano, e ainda mais difícil continuar a ser cigano nómada, é por isso que, muitos que têm possibilidade de deixar esta vida errante, acabam por não o fazer; e aqueles que tiveram de estacionar só pensam em tornar a partir.
Muitos ciganos que foram realojados em casas, passado algum tempo, voltaram à vida nómada.
Um auxílio eficaz que podemos levar aos ciganos é corrigir a imagem que eles formam dos gadjé.
A mentalização das massas é possível graças aos meios de comunicação, hoje existentes. E preciso reabilitar o cigano com as mesmas armas que serviram para o diminuir: a Imprensa, a Rádio, a TV e o Cinema, entre outros. Trata-se apenas de compreender ou conhecer o povo cigano.
O cigano não pede caridade nem paternalismo: apenas que se lhe reconheça a dignidade de homem; não quer ser considerado como vítima nem como um parasita. O seu desejo é poder continuar a vida cigana, em paz! Há pássaros que morrem por detrás das grades de uma gaiola: os ciganos são como esses pássaros.
Um conhecimento exacto da vida dos ciganos evitará que eles, para subsistirem, tenham que renegar a sua vida cigana; e além disso, não se perderá o atractivo romântico de que eles são portadores. O gadjó tomará consciência da lufada de ar fresco que lhe traz o cigano, independente e livre, que se nos antolha como símbolo da liberdade.
“ Os componentes da Sociedade não são
os seres humanos, mas as
relações que existem entre eles”.
Ciganos em Sociedade
Um Cigano é coerente, e sente-se regido por uma série de normas que consolidam a vida no seio da família.
Aí, cada um tem o seu lugar. As estruturas da sociedade cigana são altamente elaboradas: o indivíduo, a família, a linhagem, o clã, a tribo, o grupo (ou ramo) e os subgrupos, a etnia ou raça.
Todos os sedentários falam a língua do país onde vivem.
As tribos e os clãs são variáveis, pela formação de novas linguagens; nem sequer têm unidade geográfica, porque os clãs podem dispersar-se por vários países.
Em qualquer circunstância, na melhor como na pior, a família tem preferência sobre o indivíduo, e o clã está acima da família. O grupo Rom é o que mantêm mais solidariedade no clã.
As famílias, quando se deslocam não são isoladas, mas em “companhas” (caravanas), geralmente da mesma linguagem.
As companhas são temporárias; são famílias com outros interesses ou mesmo ocupação. Estas companhas ajudam-se umas ás outras, quando chegam a um local desconhecido ou a país estrangeiro, que não conheçam a língua ou os costumes, para lhes regularizar documentos.
Cada Caravana é comandada por um chefe de família mais velho, que mantêm a autoridade e decide o rumo a tomar. A sua autoridade é fundada na sua competência, no prestígio e na idade. Mesmo que seja responsável até á morte, o seu cargo não é hereditário.
Entre os Rom é o “Kako” ou Rom Baro. Entre os Gitanos é o “Tio”. Na verdade, os ciganos nunca tiveram outros chefes.
O autêntico chefe do clã não alardeia a sua verdadeira autoridade e prestígio perante os estranhos, mas conserva-os no seio do grupo. Se for preciso levantar um acampamento precipitadamente, cada um sabe o que deve fazer, sem que seja dada qualquer ordem. Estes chefes antigamente usavam botões de prata no casaco e grosso colar ao pescoço, o chicote ou bengala com castão de prata.
Se há dissensões familiares ou entre membros de clãs diferentes e não se resolvem amigavelmente, chamam um ancião, um “Tio” de prestígio e reúnem o seu tribunal – a Kris. Esse homem, que é o Krisnitori, convoca os anciões chefes de família e reúnem sob a sua presidência. Sobre este tribunal, falaremos à frente, noutro capítulo.
Quando se trata de casos de honra ou crimes passionais, e não é possível reunir a Kris, dá lugar á Vendetta: e surgem, de vez em quando, assassinatos, sem que a policia consiga perceber as causas.
Os Ciganos e a Sociedade não Cigana
A legislação especial nos diferentes países sobre os ciganos, tendente a integrá-los ou tratá-los á parte, bem como a crescente industrialização de muitos países, tem-nos constrangido a aceitar modos de vida diferentes para subsistir. Todavia, o ritmo veloz dessa assimilação forçada tem levantado uma série de problemas. Tais procedimentos têm contribuído mais para a sua situação marginal, face á sociedade ambiente.
No contacto directo e na observação comportamentos dos grupos ciganos, constatamos que existem certas características que identificam uma cultura si generis. Assim:
1) Consciência dos ciganos de que pertencem a um grupo étnico distinto e com cultura própria;
2) Modo de vida que os diferencia dos outros grupos;
3) Divisão sexual dentro do grupo (papel do homem, da mulher, dos anciãos);
4) Diferente conceito de moralidade, de justiça, de prestigio, etc.;
5) Ocupações e concepções de trabalho;
6) Métodos e finalidades da educação na família;
7) “Adaptação” ao modo de vida das populações ambientes.
As observações colhidas nos grupos ciganos inseridos em comunidades gadjé em semelhante condição socio-economica (bairros degradados de barracas) não diferem muito das colhidas noutros grupos que vivem noutros locais diferentes.
Aqueles vivem ainda mais arredados e marginalizados socialmente, por isso menos “acomodados” ás culturas ambientes.
Embora vivendo num mesmo ambiente de bairro de lata, os ciganos consideram-se constituindo” um grupo social á parte”. Eles próprios se sentem diferentes face aos outros grupos vizinhos de barraca, pois apresentam uma cultura própria e uma história própria.
Pensam alguns antropólogos que os Ciganos usam a sua língua “quando se sentem ameaçados do exterior”; então, são solidários entre si, fazem grupo á parte e isolam-se dos outros. O que, na verdade, se constata na maioria dos grupos, é a sua fácil “acomodação” e adaptação ao modo de viver da população gadjé. As crianças ciganas mostram sempre menor dificuldade e maior ductilidade em escolher as suas amizades. Dantes era muito difícil que crianças ciganas mantivessem amizade com os seus coetâneos gadjé. Um facto, porém não se deve ser olvidado: os ciganos desde sempre quiseram salvaguardar a sua identidade, nos seus usos e costumes.
Não há duvida que ainda se observa entre os ciganos a diferenciação sexual dos papeis da mulher e do homem. Assim, a educação dos filhos na família é da competência específica da mãe; o pai está presente com a sua autoridade incondicional, mas nunca assume um papel activo na educação dos filhos.
Também é notório que o nascimento de um varão representa para a família em evento mais importante do que o de uma menina. Tanto no passado como hoje, é a mulher que compete a administração das casa e sustendo da família. No geral, os filhos são industrializados desde cedo na ajuda familiar: as meninas no cuidado dos irmãos mais novos, e os rapazes acompanhando os pais no negocio ou actividades fora de casa.
Apesar da contínua mudança social, ainda se nota que “os velhos têm a estima e respeito a todos, e o seu conselho é tido em grande conta”. É um facto que o rigor da tradição se vai esbatendo lentamente. Em cada linhagem há sempre alguns “tios” com grande prestígio e autoridade que são os detentores e controladores da tradição.
Em muitos ciganos hoje nota-se uma situação paradoxal: por um lado, eles sentem-se fortemente ligados ao seu sangue cigano e á tradição, por outro lado desejariam sufocar aquela característica que os identifica como tais, pois esta constitui a causa de perseguições e discriminação.
Os pais representam sempre para os filhos a verdadeira e própria autoridade, sem serem por isso autoritários. Eles pensam que a finalidade da educação será fazer do jovem um bravo, um verdadeiro cigano: deve preparar-se para ostentar os preceitos, conservar a própria independência face aos gadjé.
Procuram ainda educá-los na solidariedade para com os do seu grupo, lembrando-lhes a identidade étnica, procuram que os filhos se apresentem bem, sem defeitos, revendo-se neles, orgulhando-se das suas qualidades físicas e morais.
Face á frequência escolar dos filhos, a atitude dos pais é muito variada. Enquanto dantes eram contrários e indiferentes á frequência escolar dos seus filhos, hoje já mostram interesse. Deve notar-se que a atitude dos pais é indiferente, quando se trata de mandar a filha á escola; é que ela é indispensável em casa para tratar dos irmãos mais novos. Coisa semelhante se passa com famílias muito pobres dos bairros de lata. A compreensão do problema escolar depende ainda de outros factores: a pessoa do professor, o bom contacto com este e com o ambiente escolar. Por vezes um factor do absentismo escolar é a distância da escola e ainda as condições da miséria do lar.
É importante também ter em conta a aceitação da comunidade não cigana. Pode dizer-se que tem, havido uma “adaptação”, tanto da parte do povo cigano, como das comunidades ambientes, para uma aceitação mútua.
Com planos de desenvolvimento comunitários em muitos países, as famílias ciganas englobadas em bairros degradados vão sendo incluídas em bairros sociais, e os ciganos vão sendo compelidos a adaptar-se cada vez mais a um novo habitat. Essa mistura com a população gadjé vai insensivelmente fazendo uma integração de facto.
Uma situação particular é a de famílias mistas “casamentos fora da sua etnia” cuja interacção dentro da comunidade é diferente: não estando tão ligadas á tradição cigana, são menos aceites pelo grupo cigano, e por outro lado estão também menos interligados na comunidade gadjé.
a) Vivem assim numa certa insegurança de vida. A aceitação da família mista depende muito do ascendente e do prestígio do elemento não- cigano. Depende ainda de esse elemento ser homem ou mulher: o marido gadjó esta situação está sujeita a certa repulsa da parte dos outros ciganos. Outro tanto não costuma acontecer se a mulher for gadjé
Os ciganos vão-se lentamente integrando a nível profissional, e cada vez mais compreendem a necessidade da instrução para seus os filhos.
Pode dizer-se que, hoje, a cultura cigana já não é uma cultura homogénea, pois encontra-se diversificada de grupo para grupo em muitos hábitos compartamentais e ritos tradicionais, v.g. o casamento conforme a tradição, a distinção dos papeis do homem e da mulher na família, a manutenção de certos tabus e ritos de passagem, etc.
Não é fácil encontrar uma explicação para certos procedimentos pontuais: se lhes perguntamos, eles próprios não explicam cabalmente porque procedem de modo diferente em casos semelhantes. Cremos que assim procederam pelo receio ou timidez perante grupos culturais mais fortes: são situações de equilíbrio instável. As interpelações dadas ás respostas pelos antropólogos ou sociólogos também variam consoante a profissão ou o sexo dos mesmos.
Do que não restam dúvidas é que entre os grupos ciganos e outros residentes gadjé dos bairros de lata, de condição socio-economica semelhante, existe uma nítida diferença nos seus hábitos comportamentais.
La tradition, c’est la somme des valeurs vieilles..
Lettres à Mme. Z..,
A organização social e familiar da Etnia Cigana
É quase supérfluo dizer que não existem e nunca existiram reis nem rainhas dos Ciganos, assunto predilecto de jornalistas levianos e desinformados.
Através de um exame cuidadoso do comportamento social do nómade destaca-se que o elemento preponderante de sua personalidade é caracterizado por uma forte tendência ao individualismo.
O que conta em primeiro lugar para o cigano é a família, o núcleo composto por marido, mulher e filhos. Estes últimos, na economia tradicional de alguns grupos, representam uma notável fonte de subsistência, através da prática de esmolar e da leitura de mãos.
Os homens, atingida uma certa idade, são frequentemente iniciados em outras actividades que consistem em acompanhar o pai às feiras para ajudá-lo na venda de produtos artesanais.
Além do núcleo familiar, coloca-se a família extensa, que compreende os parentes com os quais sempre são mantidas relações de convivência no mesmo grupo, comunhão de interesses e de negócios, frequentes contactos se as famílias perambulam por diferentes lugares.
Nota:
Enquanto que entre os Rom a classificação em "subgrupos" acontece com base na identificação de tipo ergonómico (denominação que traz origem na profissão tradicionalmente exercida), entre os Sintos e os Kalé, os subgrupos são geralmente designados segundo um conceito de natureza toponímica (referindo-se a lugares de assentamento histórico).
Diferentemente dos Rom, estes não conhecem outras classificações de "nátsija" e de "vítsa". Pode-se porém afirmar que o subgrupo entre os Sintos e os Kalé na realidade corresponda à "nátsja" dos Rom.
Além da família extensa, entre os Rom encontramos a kumpánia, ou seja, o conjunto de várias famílias (não necessariamente unidas entre si por laços de parentesco) mas todas pertencentes ao mesmo grupo e ao mesmo subgrupo ou a subgrupos afins.
Como já dissemos, o nómade é por sua propria natureza individualista e mal suporta a presença de um chefe: se tal figura não existe entre Sintos e Rom, deve-se reconhecer o respeito existente com os mais velhos, aos quais sempre recorrem para dirimir eventuais controvérsias.
Entre os Rom a máxima autoridade judiciária é constituída pelo krisnitóri, isto é, por aquele que preside a kris.
A kris é um verdadeiro tribunal cigano, constituído pelos membros mais velhos do grupo e reúne-se em casos especiais, quando se deve resolver problemas delicados inerentes a controvérsias matrimoniais ou acções cometidas com danos para membros do mesmo grupo.
Na kris podem participar também as mulheres, que são admitidas para falar, e a decisão unilateral cabe aos membros anciães designados, presididos pelo krisnitóri, que após haver escutado as partes litigantes, decidem, depois de uma consulta, a punição que o que estiver errado deverá sofrer.
Em tempos recentes a controvérsia resolve-se ,em geral, com o pagamento de uma soma proporcional ao tamanho da culpa, que pode chegar a vários milhões de liras (vários milhares de dólares) ; no passado, se a culpa era particularmente grave, a punição podia consistir no afastamento do grupo ou, às vezes, em penas corporais.
Falarei deste assunto mais à frente.
“ Uma Tradição é sempre um progresso que venceu”
Maurice Drvon
O Cigano e a Família
O dizer que a coesão existe não quer dizer que ela seja sempre uma realidade, pois os ciganos formam no mundo um mosaico de pequenos grupos diversificados, onde existe sempre um centro etnocêntrico grupal. Pode haver dissídios entre linhagens dum mesmo grupo e então a coesão é quebrada.
O grupo deve permanecer coeso. Quando acontece que uma companha trabalha para um gadjó e a um deles não agrada o trabalho ou houve desaguisado com o patrão, não só ele abandona o seu posto, como é seguido pelos outros companheiros, por solidariedade. Há pois, dependência e solidariedade para com o grupo, desde que eles entendam que as normas sociais são respeitadas. Cada um é livre em fazer o que quer e como quer.
É o filho que funda a família e não o casamento. O aborto é impensável para os ciganos, e aquela pessoa que o fizesse ou colaborasse seria duramente punida.
Um dos pilares da sociedade Cigana, e um dos factores que mais tem contribuído para a sua sobrevivência, é a família.
Se uma mulher morre de parto, é considerado um mau prestígio para todo o clã. Para os nómadas, o parto deverá ser fora da roulote ou carroça. As clínicas eram muito pouco frequentadas; hoje nos centros urbanos já muitas recorreram á maternidade. Eram geralmente mulheres experimentadas que faziam de parteiras.
Os ciganos têm um amor extremo aos filhos, e uma grande relutância em se separar deles, como interná-los num hospital, metê-los num infantário ou até num colégio.
Se um membro da família tiver que ficar hospitalizado ou for preso, alguém ficará junto do doente, ou não abandonará a porta do hospital ou da prisão.
Não há duvida que um dos pilares da sociedade cigana, e um dos factores que mais tem contribuído para a sua sobrevivência, é a FAMÍLIA
Não se trata apenas da “família nuclear” – pais e filhos – comum na nossa sociedade, mas antes, de um grupo extenso formado por várias famílias nucleares relacionadas por laços de consanguinidade.
Esta “família extensa”, formada por várias famílias nucleares, também chamada clã, é a base das linhagens e das tribos ciganas. A linhagem também existe na nossa família, mas com uma estrutura funcional muito diferente. Encontramo-nos, pois, em face de uma estrutura piramidal, organizada através de laços de sangue, em que a família nuclear é o primeiro elo – o bató (pai), a mãe (day ), os filhos (chavós), seguidos do clã ou família extensa, que é o grupo de parentesco. Os clãs estão relacionados com outros grupos de parentesco formando a tribo.
Dentro dos clãs encontramos a figura “Tio”, geralmente um “bato” com mais prestigio ou maior número de filhos e parentes, que detêm uma autoridade absoluta do tipo político sobre todos os membros, em diferentes internos ou com outros clãs. O “Tio” é toda uma instituição dentro dos grupos ciganos, pois é o equivalente aos governantes na nossa sociedade. As suas atribuições podem ir desde assuntos económicos e as relações externas até á resolução das mais pequenas disputas entre membros de um mesmo clã, quando os batos de
cada família não puderem solucioná-las; estamos, de facto, perante uma espécie de ministros plenipotenciário.
O pai é quem exerce a autoridade mais afectiva, apoiado pelo conselho dos tios e pela força e capacidade de trabalho dos próprios e dos filhos. Por seu lado, a mãe deverá ocupar-se, antes de mais, da geração dos filhos, quanto mais melhor, para que o número e a força do grupo familiar aumentem quando possível. Por último, os velhos e mulheres, serão os lideres culturais e espirituais do clã, como depositários do saber e da experiência.
Este é o esquema do que poderíamos chamar “actividade política” da família e do clã cigano. Se não existe esta rigidez, toda ela encaminhada para manter a força do grupo, as medidas adoptadas pela sociedade gadjé, teriam acabado com os ciganos á muitos séculos.
Colocada no centro da unidade familiar, a mulher cigana desempenha de facto um papel predominante na conservação das estruturas tradicionais. O seu papel é o da mulher exemplar do texto sagrado – “honesta, decente e dedicada á excelsa missão maternal”.
Se compararmos a sociedade cigana com a nossa gadjé, notamos uma diferença notável, já na taxa de natalidade, já no número de filhos por casal.
Cerca de 60% de casais têm 3 e 8 filhos.
Uns 22% têm mais de 9 filhos.
A média de filhos por casal é de 5,6.
Enquanto na nossa sociedade, conforme estatísticas publicadas, 70% dos casais têm 1 a 4 filhos em média.
Deste modo, a taxa de natalidade cigana é tripla da portuguesa. Esta diferença não pode atribuir-se a qualquer peculiaridade fisiológica ou ambiente, tem nítidas influências sociológicas ou de grupo.
O interesse do cigano em ter o maior número de filhos é uma constante que se tem mantido, em virtude da necessidade e desejo de fortalecer o poder do grupo de parentesco, isto é do clã, tanto em vista da sus defesa face aos outros clãs ciganos, como em face á sociedade gadjé. A mera força numérica e física é útil aos frequentes confrontos entre clãs, que é o caso dos subúrbios onde vive grande número de famílias. Outrora, quando a maioria da população cigana vivia em zonas rurais, era mais fácil evitar os confrontos que por vezes se saldavam com a morte de elementos valiosos para ambos os grupos, pois que os encarregados da defesa física eram homens jovens. Chegava-se por vezes a reunir os chefes (os tios) dos dois grupos poderosos, para se acabar com verdadeiros estados de guerra fria que durava anos. Ainda hoje se mantêm sentimentos de ódio antigo entre clãs, originados por factos passados como um assassinato passional por exemplo, que muitos já esqueceram.
O desejo de uma família numerosa assenta ainda na possibilidade de maiores lucros globais, pois todos os membros do clã contribuem para a economia familiar. Nos filhos são preferidos os varões á s fêmeas, pois estas embora também trabalhem, não podem desempenhar o papel de defesa activa do grupo.
Se, no âmbito da economia familiar a distribuição de ocupações varia, em certa medida, conforme o sexo, é um facto que a mulher cigana contribui no mesmo nível que o homem para carrear os meios económicos necessários, não se limitando aos cuidados do lar e da família. A realização das tarefas domésticas é repartida por membros do grupo: outras mães, as filhas mais velhas, que desde tenra idade devem tomar a responsabilidade de seus irmãos e seus parentes de igual ou menor idade.
“La loi et l’équité sont deux choses que Dieu a unies,
Mais que l’homme a séparées””
A Justiça entre Ciganos
Existe, na tradição de quase todos os grupos, o seu processo de julgar os crimes entre eles, onde este costume se processa com mais frequência e obedecendo a normas mais rígidas da tradição.
A Kris é um tribunal de justiça formada pelos anciãos da tribo.
Parece que, antes, a Kris era considerada como “o fecho da abóbada” da sociedade cigana. Este tribunal não é, uma sociedade secreta ou confraria.
Não existe nenhum código secreto, na posse dos anciãos. A Kris é apenas uma assembleia de conhecedores das normas da tradição, mas não um concelho de ancião, a não ser que tal possa coincidir, pois pode acontecer que jovens tomem parte nele.
A Kris é um aspecto da organização política dos Rom. Apenas teria a função de arbitrar os diferendos que pudessem surgir no seio da sociedade, regularizar assuntos de casamentos, de infidelidade conjugal, etc. Também se reunia para tomar decisões importantes na vida do grupo, face a novas situações. Este tribunal apenas vive o sobre o passado.
Pode dizer-se que a Kris para o cigano tem uma função patente, que é julgar ou apreciar um problema, mas tem uma função latente, que é a coesão social.
De facto a Kris precisa reunir um certo número de chefes de linhagens que possa nessa ocasião, trocarem informações sobre diversos assuntos, põem ao corrente ao que se passa entre os outros, comunicam em conjunto. Esta reunião, pela troca de impressões, arrasta a convergência de opiniões produzindo uma homogeneização e coerência das diferentes partes, dos diferentes segmentos do corpo social representado por cada um dos chefes.
Esta coesão é muito forte, tanto mais que são os mesmos indivíduos respeitáveis do grupo que tomam parte dela. Não são sempre os mesmos que tomam parte dessas assembleias. Estes têm por assim dizer um caracter internacional e não local.
Os ciganos preferem resolver certas questões amigavelmente entre eles, a sujeitar-se a esse tribunal severo. Além disso, a decisão é sem apelo e definitiva. Apelar da decisão seria uma injuria para os seus membros... A Kris apresenta-se como um ponto fulcral da sociedade Rom, órgão de regularização dos fenómenos de toda a ordem , sociais psicológicos. A força da Kris repousa no respeito que ela inspira, e este sobre o respeito inspirado pelos homens que a compõem.
Actualmente encontra-se em crise, o que é grave, pois que ela era instituição fundamental da sociedade Rom. Assim, a sociedade cigana, pelo enfraquecimento da Kris, está em risco de estoirar-se.
Com o avivar da consciência cigana como povo, os Rom fazem a sua entrada na História, graças ao aparecimento de organizações mundiais, que começam a pugnar pelos direitos e autonomia destas minorias étnicas. Mas o cigano, quer queira, quer não queira, será sempre em função da sociedade gadjé. A sua cultura é uma cultura em estado de sítio.
“ São necessários anos de leitura atento e inteligente
para se apreciar a prosa e a poesia que fizeram
a glória das nossas civilizações.
A cultura não se improvisa”
Séculos de Cultura e Tradição
Os antepassados dos ciganos eram congéneres de outros povos, com eles, criadores e herdeiros de outras culturas.
Ao longo dos tempos, estas culturas sofreram uma inevitável regressão.
É muito difícil esclarecer as origens étnicas do povo cigano, pois este povo não escreveu a sua história, no entanto não restam dúvidas que este povo procede da Índia, quando deixou o seu berço para peregrinar pelo mundo, possuía uma cultura em estado folk.
Os vários grupos mais ou menos afins que se dirigiam para o Ocidente, tinham dialectos afins. A sua tragédia dia compartilhada na dispersão, dá-lhes mais a convicção de serem “ um povo à parte”. Essa ideia de unidade é- lhes reforçada pela comunidade de origem e de língua, em meios ambientes totalmente estranhos á sua herança indiana.
“ la culture et la tradition ne sont jamais
idéologique mais, toujours, instinctives”.
Ibid.
Usos Costumes e Tradições
Os Ciganos não representam, como já se salientou, um povo compacto e homogéneo; mesmo pertencendo a uma única etnia, existe a hipótese de que a migração desde a Índia tenha sido fraccionada no tempo, e que desde a sua origem fossem divididos em grupos e subgrupos, falando dialectos diferentes, ainda que afins entre si.
O acréscimo de componentes léxicos e sintácticos das línguas faladas nos países atravessados no decorrer dos séculos, acentuou fortemente tais diversificações, a tal ponto que Sintos e Rom podem ser tranquilamente definidos como dois grupos separados, que reúnem subgrupos muitas vezes em evidente contraste social entre si.
As diferenças de vida, a forte vocação ao nomadismo de alguns, contra a tendência à sedentarização de outros, pode gerar uma série de contrastes que não se limitam a uma simples incapacidade de conviver pacificamente.
Em linhas gerais poderia afirmar-se, que os Sintos são menos conservadores e tendem a esquecer com maior rapidez a cultura dos pais.
Talvez este fato não seja recente, mas de qualquer modo é atribuído às condições socioculturais, nas quais por longo tempo viveram.
Quanto aos Rom de imigração mais recente, nota-se, ao invés uma maior tendência à conservação das tradições, da língua e dos costumes próprios dos diversos subgrupos. A sua origem desde países essencialmente agrícolas e ainda industrialmente atrasados (leste europeu) favoreceu certamente a conservação de modos de vida mais adequados à sua origem.
Não é possível, também em razão da variedade constituída pela presença conjunta de vários grupos, fornecer uma explicação detalhada das diversas tradições. Todavia alguns aspectos principais, ligados aos momentos mais importantes da existência, merecem ser descritos, ao menos em linhas gerais.
Lembramos que antigamente era muito respeitado o período da gravidez e o tempo sucessivo ao nascimento do herdeiro; havia o conceito da impureza coligada ao nascimento, com várias proibições para a parturiente. Hoje a situação não é assim tão rígida; o aleitamento dura muito tempo, às vezes prolongando-se por alguns anos.
No casamento tende-se a escolher o cônjuge dentro do próprio grupo ou subgrupo, com notáveis vantagens económicas.
É possível a um Cigano casar-se com uma gadjí, isto é, uma mulher não cigana, a qual deverá porém submeter-se às regras e às tradições ciganas.
Vige naturalmente o dote, especialmente para os Rom; no grupo dos Sintos tende-se a realizar o casamento através da fuga e consequente regularização.
Aos filhos é dada uma grande liberdade, mesmo porque deverão logo contribuir com o sustento da família e com o cuidado dos menores.
No que se refere à morte e aos ritos conexos a esta, o luto pelo desaparecimento de um companheiro dura em geral muito tempo.
Junto aos Sintos parece prevalecer o costume de queimar-se a kampína (o trailer) e os objectos pertencentes ao defunto.
Entre os ritos fúnebres praticados pelos Rom está a pomána, banquete fúnebre no qual se celebra o aniversário da morte de uma pessoa. A abundância do alimento e das bebidas exprimem o desejo de paz e felicidade para o defunto.
NASCIMENTO
Uma criança é sempre bem vinda entre os ciganos. É claro que sua preferência é para os filhos homens, para dar continuidade ao nome da família.
A mulher cigana é considerada impura durante os quarenta dias de resguardo após o parto. Logo que uma criança nasce, uma pessoa mais velha, ou da família, prepara um pão feito em casa, semelhante a uma hóstia e um vinho para oferecer ás três fadas do destino, que visitarão a criança no terceiro dia, para designar a sua sorte.
Esse pão e vinho será repartido no dia seguinte com todos as pessoas presentes, principalmente com as crianças. Da mesma forma e com a finalidade de espantar os maus espíritos, a criança recebe um patuá assinalado com uma cruz bordada ou desenhada contendo incenso.
O baptismo pode ser feito por qualquer pessoa do grupo, e consiste em dar o nome e benzer a criança com água, sal e um galho verde.
O baptismo na igreja não é obrigatório, embora a maioria opte pelo baptismo católico.
CASAMENTO
Desde pequenas, as meninas ciganas costumam ser prometidas em casamento. Os acertos normalmente são feitos pelos pais dos noivos, que decidem unir as suas famílias.
O casamento é uma das tradições mais preservadas entre os ciganos, representa a continuidade da raça, por isso o casamento com os não ciganos não é permitido em hipótese alguma. Quando isso acontece a pessoa é excluída do grupo.
É pelo casamento que os ciganos entram no mundo dos adultos. Os noivos não podem ter nenhum tipo de intimidade antes do casamento.
Quando o casamento acontece, durante três dias e três noites, os noivos ficam separados dando atenção aos convidados, somente na terceira noite é que podem ficar pela primeira vez a sós. Mesmo assim, a grande maioria dos ciganos ainda exigem a virgindade da noiva. Esta deve comprovar a virgindade através da mancha de sangue do lençol que é mostrada a todos no dia seguinte.
Caso a noiva não seja virgem, ela pode ser devolvida para os pais e esses terão que pagar uma indemnização para os pais do noivo. No caso da noiva ser virgem, na manhã seguinte do casamento ela veste-se com uma roupa tradicional colorida e um lenço na cabeça, simbolizando que é uma mulher casada.
Durante a festa de casamento, os convidados homens, sentam-se ao redor de uma mesa no chão e com um pão grande sem miolo, recebem os presentes dos noivos em dinheiro ou em ouro. Estes são colocados dentro do pão ao mesmo tempo em que os noivos são abençoados. Em troca recebem lenços e flores artificiais para a mulheres.
Geralmente a noiva é paga aos pais em moedas de ouro, a quantidade é definida pelo pai da noiva.
MORTE
Os ciganos acreditam na vida após a morte e seguem todos os rituais para aliviar a dor de seus antepassados que partiram.
Costumam colocar no caixão da pessoa morta uma moeda para que ela possa pagar o canoeiro a travessia do grande rio que separa a vida da morte.
Antigamente costumava-se enterrar as pessoas com bens de maior valor, mas devido ao grande número de violação de túmulos teve que ser mudado. Os ciganos não encomendam missa para os seus entes queridos, mas oferecem uma cerimónia com água, flores, frutas e suas comidas predilectas, onde esperam que a alma da pessoa falecida compartilhe a cerimónia e se liberte gradativamente das coisas da Terra.
As cerimónias fúnebres são chamadas "Pomana"e são feitas periodicamente até completar um ano de morte. Os ciganos costumam fazer oferendas aos seus antepassados também nos túmulos.
A Arte Cigana
Todo cigano é fadado à fazer previsões do futuro, através da leitura de mão ou da leitura das cartas de Tarot.
Esse processo é intuitivo e natural e é passado de mãe para filha, desde a antiguidade.
Alguns antropólogos acreditam que os ciganos herdaram esse hábito das castas mais baixas da Índia, mas alguns ciganos acreditam que foi herdado dos egípcios, criadores do primeiro Tarot do mundo.
Aos ciganos foi dado o segredo do Tarot pelos sacerdotes egípcios e o poder de divulgar o "caminho da verdade". O Tarot para os ciganos é sagrado, simboliza o misticismo e as crenças de todos os povos antigos na busca incessante da verdade.
A arte Cigana, é uma arte de viver. Quer dizer que não é só um reflexo de um modo de vida: é esta maneira de viver, mais que pensada e elaborada. É uma arte quotidiana, uma arte em todas as coisas e de todas as coisas; indissociável do seu conteúdo social, económico e cultural.
É a arte de conduzir, de comercializar, de jogar, de música, da dança, da palavra, arte dos acontecimentos sociais, e sobretudo, a arte da festa.
Esta arte foi reconhecida e apreciada, depois de muito tempo.
Desde tempos antigos, até aos nossos dias, os ciganos foram protegidos pelos senhores e pelos poderoso por servirem de divertimento e suscitar o sonho.
A originalidade cigana vem da qualidade de interpretação. Oposição, criação/ interpretação , não tem alguma pertinência.
A interpretação é uma interpretação criativa, uma recriação como é retractada a seguir:
“ les Gitans créent ou forgent le chant profond; ils en sont les agents créateurs. Mais ils le forgent avec les métaux Qui pour la plupart sont andalous” ..
O que os ciganos tem em comum, não é o que eles jogam, mas a forma como jogam.
No domínio musical, por exemplo, os compositores que foram seduzidos (Liszt, Brahms, Dvorak, Falla, Granados, etc.), estavam conscientes.
O cigano dá mais atenção e prestígio, à interpretação- que para eles é uma criação- do que à primeira composição, e à origem dos elementos que esta utiliza.
A arte dos ciganos, atendendo ás suas mudanças, é uma arte de viagem, que produziu sobretudo, elementos não materiais: canções, dança, contos, músicas, poesias, imprevisões esquecidas, etc.
Em casos contrários, elementos compatíveis com a viagem, não deixaram de ser produzidos: objectos ligeiros e negociáveis, ou manifestação de uma arte- não comercializada (vestimenta de mulheres, pinturas de carroças, notoriamente na Grécia , entre outras coisas.)
As mudanças que se fizeram actualmente, são de três tipos, e de diferente natureza. No entanto é a uniformização, pela televisão sobretudo, a de consumo natural.
Os artistas e o estilo dos Gadjé, tem meios de difusão que os artistas ciganos não tem, logo aí a concorrência, não é igual.
A poesia dos Ciganos
A literatura cigana "escrita" é formada em primeiro lugar pela transposição por escrito da tradição oral.
No seu interior encontra-se uma ampla produção poética, expressão de sentimentos que nascem das experiências da vida quotidiana, ou do desejo de uma redescoberta dos valores tradicionais fundamentais.
O processo de emancipação no plano social e político iniciado nas últimas décadas colocou as bases para a formação de uma elite intelectual cigana.
A descoberta de valores importantes, entre os quais, o uso da língua materna, tem, entre outras coisas, induzido alguns Rom e Sintos, entre os mais sensíveis, a um salto de qualidade na tradicional narrativa cigana, favorecendo uma passagem da forma oral à forma escrita.
Um exemplo da sensibilidade que transborda do ânimo dos Rom e dos Sintos é dada por estas poesias, compostas por vários autores, pertencentes a grupos diferentes.
Cigano búlgaro nascido em 1929, durante uma parada da caravana às margens do rio Vit..
A poesia a seguir faz parte de uma série de composições autobiográficas. Nesta ele narra o momento de seu nascimento, que coincide com a morte de sua mãe...
Nascimento no acampamento
Nasci entre as velhas tendas,
em meio ao falar dos Ciganos
que narram à luz da lua
a fábula de uma branca cidade distante.
Nasci na miséria, entre os campos
ao longo do Beli Vit, sob plangentes salgueiros
onde a angústia aperta os corações
e a fome pesa no saco de farinha.
Nascí num dia triste de outono
ao longo da estrada envolta em neblina,
onde a necessidade chora junto aos pequeninos
e a dor destila quente entre os cílios.
Nasci, e minha mãe morria.
O velho pai me lavou no rio:
por isso é forte hoje o meu corpo
e o sangue me escorre dentro impetuoso.
Música Cigana
A música cigana foi entendida pelos músicos eruditos em duas vertentes totalmente diferentes: por um lado a tradição dos ciganos húngaros e por outro a dos ciganos Andaluzes.
Por razões históricas, a primeira foi, durante muito tempo, associada à música folclórica húngara, e por isso, surgem já no início do século XIX referências a danças, ou música "húngaras" ou "à la húngara" que na realidade remetem para a tradição cigana daquela zona geográfica.
Esta situação manteve-se até ao início do século XX quando as investigações de Bela Bártok e Zoltán Kodaly vieram finalmente desfazer este mal entendido.
Algo de semelhante se passa com o flamengo em relação à música popular espanhola, que são frequentemente confundidas.
Quando um compositor erudito, nomeadamente um que não seja espanhol, quer dar á sua música um "sabor" de Espanha, fá-lo através do uso de harmonias e ritmos próprios da música Andaluza, mais propriamente do flamengo.
No entanto, o facto deste tipo de "exploração" musical se ter começado a efectuar no final do século XIX, leva a uma outra compreensão deste fenómeno por parte dos compositores, e mesmo dos auditores.
As obras para piano aqui apresentadas (que não constituem, obviamente, uma lista exaustiva mas apenas exemplos do atrás exposto) podem, assim, ser subdivididas em dois grupos que, para além de se reportarem a tradições diferentes, estão também cronologicamente distanciadas. Em comum têm o facto de os seus compositores serem, regra geral, naturais dos países onde essas tradições podem ser observadas, o que lhes dá naturalmente, uma pertinência especial na composição de obras que conciliam uma forte herança musical erudita, que esteve na base da sua preparação como músicos, com uma tradição popular com a qual contactaram de modo informal durante a sua infância e juventude.
Dança Cigana
Quando os ciganos deixaram o Egipto e a Índia, passaram pela Pérsia, Turquia, Arménia, chegando até a Grécia, onde permaneceram por vários séculos antes de se espalharem pelo resto da Europa.
A influência trazida do oriente é muito forte na música e na dança cigana.
A música e a dança cigana possuem influências hindus, húngaro, russo, árabe e espanhol.
Mas a maior influência na música e na dança cigana dos últimos séculos é sem dúvida espanhola, reflectida no ritmo dos ciganos espanhóis que criaram um novo estilo baseado no flamengo.
Alguns grupos de ciganos no Brasil conservam a tradicional música e dança cigana húngara, um reflexo da música do leste europeu com toda a influência do violino, que é o mais tradicional símbolo da música cigana.
Liszt e Beethoven procuraram na música cigana, inspiração para muitas das suas obras. Tanto a música como a dança cigana sempre exerceram fascínio sobre grandes compositores, pintores e cineastas. Há exemplos na literatura, na poesia e na música de Bizet, Manuel de Falla e Carlos Saura que mostram nas suas obras muito do mistério que envolve a arte, a cultura e a trajectória desse povo.
No Brasil, a música mais tocada e dançada pelos ciganos é a música Kaldarash, própria para dançar com acompanhamento de ritmo das mãos e dos pés e sons emitidos sem significação para efeito de acompanhamento. Essa música é repetida várias vezes enquanto as moças ciganas dançam.
“Encanto, magia, sedução... celebração da vida, harmonia entre o corpo e mente.”.
A dança cigana encanta e traz óptimos benefícios para a sua saúde mental e espiritual. Certos costumes dos ciganos encantam e servem de exemplos para a nossa vida. Tudo é mágico, tudo encanta. Aprender mais sobre eles, sobre os seus costumes, sobre o modo de pensar é uma viagem fascinante onde nós descobrimos que a vida não é só feita só de problemas e sim de muita festa, muita alegria e muita sedução.
A dançarina cigana cativa com o olhar e seduz com o movimento das mãos e do corpo tornando-se assim uma mulher forte e sensual. É uma dança que pode e deve ser dançada por ambos os sexos. O corpo e a mente trabalham juntas, modelando o corpo, modela-se também a mente, para uma vida mais alegre, mais saudável e com mais energia. "Viver fazendo festa, desfrutar das melhores coisas da vida, saborear um bom vinho, e dançar... dançar... e encantar..." Os ciganos vivem cercados de muitas festas e encaram a vida de frente. Os costumes ciganos são passados de pais para filhos para dar continuidade á raça e á cultura deles. Os adornos usados pelas ciganas, são ricos com muito ouro e embelezam a dançarina cigana.
Dançar em volta da fogueira é um modo de celebrar a vida. Todos os rituais ciganos são mágicos. É uma dança alegre e ao mesmo tempo sensual onde se dança para celebrar a vida e a morte, pois para eles a morte nada mais é que uma grande travessia, por isso eles vivem em festa, nada os faz parar de dançar... Dançar é viver!
As Mãos
As mãos de uma cigana devem ser perfeitas para encantar, devem ser suaves e bem cuidadas. Antes de começar a dançar, costumam passar creme hidratante nas mãos, é um modo de as deixar limpas e bonitas, para seduzir com os seus movimentos.
Os pés também não são esquecidos. Como dançam descalças, acabam por criar calosidade nos pés e eles precisam de muito carinho. Após os shows costumam colocar os pés de molho em água quente e hidratam-nos com um bom creme hidratante.
Este procedimento não é só feito antes ou depois dos shows, mas sim todas as noites, é o ritual nocturno de uma mulher que deseja seduzir e se sentir desejada.
Cuidar do corpo, da mente, da pele, das mãos, dos pés e dela mesma, é o seu passaporte para se tornar mais atraente.
O Olhar
O olhar deve ser marcante e sedutor, deve expressar todos os seus sentimentos, dependendo da música que uma bailarina dança o olhar deve expressar o que se pede, seja de sentimento de alegria, sedução ou tristeza, quando dançam o lamento cigano, o olhar é triste, mas não deixa de ser marcante.
Religião Cigana
Os Ciganos não tem uma religião própria, não reconhecem um Deus próprio, nem Sacerdotes, nem Cultos originais.
O povo cigano permanece acorrentado a todo um ciclo de crenças religiosas que fazem parte dos fundamentos da sua organização e, por isso, da sua coesão.
Perfeitos adaptadores em todos os domínios, os ciganos souberam bem adaptar a sua fé ás exigências exteriores das religiões predominantes nos países que vão percorrendo. Assim, são ortodoxos, muçulmanos ou protestantes, conforme o país em que vivem. Acontece até que misturam, por vezes, cristianismo com Islamismo.
Parece singular o facto de que um povo não tenha cultivado, no decorrer dos séculos, crenças particulares em mérito à divindade, nem mesmo formas primitivas de tipo antropomórfico ou totémico.
O mundo do sobrenatural é constituído pela presença de uma força benéfica, Del ou Devél, e de uma força maléfica, Beng, contrapostas entre si numa espécie de zoroatrismo, provável resíduo de influências que esta crença teve sobre grupos que em época remota atravessaram a Pérsia.
Existem pois, nas crenças ciganas, uma série indefinida de entidades, presenças que se manifestam sobretudo à noite.
Quanto à religião, em geral os Ciganos parecem ter-se adaptado no decorrer da história às confissões vigentes nos países que os hospedaram, mas a sua adesão parece ser exterior e superficial, com maior atenção aos aspectos coreográficos das cerimonias, como procissões, peregrinações, próprias de uma religiosidade popular ainda largamente cultivada no âmbito católico.
Um sinal de mudança dá-se pela difusão do movimento pentecostal, ocorrida a partir dos anos 50, através da Missão Evangélica Cigana, surgida em França.
Seguido isso, registram-se todavia profundas lacerações no interior de muitas famílias, devido às radicais mudanças de costume que tal adesão impõe e que encontram explicação na natureza fundamentalista do movimento religioso em questão.
Tais imposições muitas vezes acabam por induzir os Ciganos a uma recusa das suas peculiaridades culturais, ainda que dependa muito da capacidade de crítica e de discernimento de cada indivíduo.
Debout les Rom
“J’ai marché, marché le long des routes
J’ai rencontré des Tsiganes heureux
O les Rom, d’oú venez – vous
Avec les tentes par ces chemins heureux?
O les Rom, ô les enfants!”
A Língua Cigana
A língua Cigana deriva do Sanskrit, e procede de numerosos elementos de base em comum com o Hindi, o Bengali, o Panjabi, etc., línguas do Norte da Índia.
Mas, normalmente, não há grandes interrogações sobre esta língua.
O facto destes nómades irem e virem, sem país, sem pátria, não seria de nenhum modo, compatível com uma “verdadeira língua”, e estes tentam, durante séculos, falar uma língua inventada por eles, na necessidade de uma comunicação secreta, a afim de não ser conhecida, que pelos seus semelhantes.
Foi necessário esperar até ao fim do século 18, para descobrir a origem da língua Indiana.
No decorrer da longa existência da língua cigana com outras línguas, as influências mais fortes, são as línguas que prevaleceram sobre os Ciganos.
Mais ou menos importantes, são os reflexos do vocabulário da gramática, que são reflexo do percurso seguido pelos ciganos, no decorrer da sua história. A língua porém, ramificou-se e, ainda se ramifica, dando asas a um grande número de dialectos.
Oú est la verité tsigane?
Oú est la verité tsigane?
Aussi loin que je me souvienne
Je vais avec ma tente par le monde
Je cherche amour et affection
Verité et fourtune.
J’ai vieille sur la route
je n’ai pas truvé un vrai amour
je n’ai pas entendu la parole juste
la verité tsigane oú est-elle?
A Viagem
A viagem, para o cigano, é funcional a vários pontos: ela permite uma organização social, ela autoriza a adaptação, e traz a possibilidade de exercício de trabalhos.
A viagem permite a grupos diferentes, de manterem uma proximidade, de oporem, e, por vezes, de se casarem.
A Viagem permite a indivíduos do mesmo grupo, mas de países diferentes, de se reencontrarem, aquando de alguns acontecimentos importantes, tais como, o casamento, questões de justiça, etc.
Para numerosas famílias, proximidade social e proximidade geográfica, não se confundem de forma alguma.
Os grupos, podem deste modo, continuar social e culturalmente homogéneos na dispersão.
A viagem, permite ainda, a possibilidade dos ciganos se informarem e, por vezes, de fazer circular a informação. Em suma, se adaptarem ao modo de vida de outros grupos, que não os seus.
Na viagem, os lugares não são “ casas” mas somente etapas, e uma ruptura de relações estáveis.
Para o viajante, sobretudo, importa o presente, que contém um passado revelado, e um futuro, que será, o mais cedo possível, sem que par isso, seja necessário imaginá-lo, ainda para mais, que não é bom saber de que será ele feito.
Ao lado desta função social, a viagem tem uma função económica, muito importante.
Os ciganos são muito apegados a uma independência profissional; esta nem sempre é compatível com um habitat fixo.
Muitos viajantes, conheceram numerosas formas de habitação, outros, acabaram por vincar toda a sua vida numa casa.
Um sedentário, mesmo em mudança, continua sedentário. O cigano, mesmo que não viaje, fica a ser sempre um nómada.
O nomadismo é mais um estado de espírito, do que um estado de fazer.
A sua existência e a sua importância, são sucessivamente de ordem psicológica, e não tanto de ordem geográfica.
O viajante que perde a esperança e a possibilidade de “ partir novamente” , perderá com certeza, também toda a sua razão de viver.
Os Ciganos e a sua Convivência Social
O cigano perante sociedade “gadjé” sempre teve a preocupação de manter os não- ciganos afastados dos seus assuntos e do conhecimento de suas leis e costumes.
Durante os contactos que são forçados a ter com estranhos, eles tiveram muitas vezes que ocultar a sua identidade, a sua capacidade, ou a de seus parentes, preocupados pelas autoridades.
Tiveram sempre interesse em evitar a divulgação de informações que possam prejudicar seus familiares ou amigos. Mas esta atitude não é adoptada só para com os gadjé; procedem do mesmo modo perante outros que não sejam da sua tribo.
A necessidade deste segredo mantém a coesão dos ciganos perante os estranhos. Há certos elementos culturais que teriam surgido da necessidade de manter o segredo; como serão certas palavras-chaves e o uso de sinais convencionais entre eles. É o uso de certos segredos que permite aos ciganos considerar-se diferentes dos gadjé e identificar-se com outros ciganos. É o que sucede com o uso de termos em caló que lhes permite excluir os não- ciganos “dos assuntos ciganos”.
Já neste caso particular da ocultação de factos perante os estranhos, se estão a dar bastantes mudanças: noutros tempos, se um cigano roubava qualquer coisa, poderia comunica-lo aos seus parentes e conhecidos, que eles se encarregavam de ocultá-lo aos estranhos; hoje, porém, já não o poderá revelar mais que ao pai ou à mãe, porque os outros não guardariam segredo.
Em tempos remotos havia sanções para quem traísse a ocultação;” era com trair os da sua raça”.
Uma realidade cigana
Autoridades – acolher ou rejeitar?
Longe da Constituição, longe dos regulamentos acusadores ou protectores, longe das Instituições Nacionais e dos seus discursos teóricos, é com uma realidade local bem concreta- população, colectividades, poderes locais, que devem compor quotidianamente o Cigano.
O lugar de implantação, provisório ou mais longo, precário ou assegurado, lugar de drama, onde se cristalizam as tensões, onde se manifestam os conflitos.
Quase todos os dias, são os comportamentos de rejeição que dominam, quase no final do século XX. Diante dos ciganos que querem instalar-se, em todos os lados aparecem comités de defesa, e desenvolvem-se campanhas de imprensa.
Mesmo nas regiões, não podem aparecer que “ um punhado” de ciganos, que logo há petições a circular face a esse perigo, e ocorrem logo, cartas anónimas par os jornais e autoridades locais.
Sempre, que em qualquer lado em que morem ciganos, aparecer uma ocorrência de roubo, massacre, acontecimentos marginais de qualquer espécie, são os ciganos que “ obrigatoriamente” são acusados dessas atrocidades.
Assiste-se a Organizações suscitadas pelos vizinhos, aos lugares onde os ciganos estão instalados, para os intimidar, com ameaças, com o único objectivo de os expulsar.
No entanto, a violência não é a única forma de rejeição, por que esta Etnia tem de passar.
Acontece que por vezes, supermercados estão fechados diante desta população, assim como restaurantes, bares e outros locais públicos, como as escolas.
É quase impossível um cigano adquirir uma casa, por causa da vizinhança.
As autoridades detêm imensas atitudes possíveis de se realizar face a este problema.
No entanto, há uma “neutralidade” passiva de “ deixar- fazer” , que alimenta os comportamentos discriminatórios, que indicam que os ciganos são considerados “ perigosos” para os bens e para as pessoas.
A atitude das autoridades vai no mesmo sentido do das populações: interdição, rejeição por vezes violenta, vigia pesante e constante.
Neste contexto, as preocupações eleitorais das autoridades locais, jogam de uma importância crucial, e na determinação dos comportamentos. Os eleitores “pesam” mais que alguns ciganos.
Rejeição VS Justiça, na Sociedade Portuguesa
Há várias gerações que os ciganos se consideram portugueses. Mas, ao mesmo tempo, devido á permanente segregação e perseguição, eles sentem-se excluídos da sociedade. Sem esperanças de mudança, resignam-se num grande fatalismo.
Dizem-se ciganos, mas consideram-se portugueses á muito tempo. Há mais de quatro séculos que vivem no nosso país, no nossos cemitérios enterram os seus mortos, ali acorrem a sua recordação em certos dias do ano.
Se viajam pelo estrangeiro (Espanha, França, Itália, Norte de África) Para se encontrarem com irmãos de raça, é a Portugal que eles voltam, por considerar este o seu país; só aqui se sentem bem. Muitos pagam impostos, servem no exército, exercem o negócio em Portugal, e consideram-se cidadãos como os restantes portugueses.
Ligados ao país onde nasceram, reivindicam já os seus direitos de cidadãos, embora sintam que são rejeitados e perseguidos pelas autoridades, que os controlam constantemente, na sua vida itinerante.
Queixam-se da injustiça com que são tratados, só pelo facto de serem ciganos.
Os próprios sedentários são os primeiros a carregar com as culpas, quando há desacatos nos locais de residência. E para os viajantes, o grande problema é sempre o estacionamento. Acontece que, até quando o proprietário do terreno lhes consente estacionar, não deixam de ser incomodados pela GNR que os obriga a sair inesperadamente. Se acampam perto de algumas povoações, logo os habitantes comunicam ás autoridades para se afastarem.
Apenas em locais imundos, como estrumeiras, os deixam acampar por algum tempo, e sempre vigiados. Aí falta água e todas as condições de higiene.
Nestas condições, eles sentem-se amargurados e desesperados. Dizem: “vão trabalhar, vadios!”. Como se o único trabalho fosse o trabalho braçal! Consideram-se excluídos da sociedade como se não fossem seres humanos, são tratados como cães vadios.
Devido a tais atitudes, eles sentem um real fatalismo com que não ousam lutar, sentem permanentemente o medo, a insegurança e o sobressalto. Tornam-se desconfiados de tudo e de todos, numa posição de legitima defesa. Sentem-se inferiorizados. Não sabem alegar a sua defesa; por serem iletrados, troçam deles, não os acreditam.
Experimentam um sentimento de abandono e desconfiam que as entidades responsáveis tomem qualquer medida a seu favor.
Basta que sejam ciganos, para ninguém se ocupar deles. Tem-lhes feito promessas e nada se tem feito em seu favor. As condições de promoção têm aparecimento para outras classes pouco favorecidas; pelos ciganos nada se tem feito.
Toda a gente os rejeita. Embora se sintam portugueses, eles sentem-se incapazes de se defender, desesperados com uma situação que perdura à séculos.
A cultura ocidental que se tem considerado uma cultura superior tem contribuído orgulhosamente para essa marginalidade imperdoável, fazendo os ciganos réus de quantos pecados se comentem no mundo.
Sobre o povo cigano tem pesado, como um sambenito proclador de todas as culpas, a lenda negra que os apresenta como insociáveis, delinquentes, embusteiros, selvagens e vadios, sem analisar que nem todos são iguais.
Se é verdade que, no seio desta etnia, há muitos maus que vivem á margem da lei, são muitos mais os não- ciganos que, presumindo ser honrados, se acobertam sob o velo de ovelha e são interiormente lobos- rapazes.
A verdade é que os ciganos têm sido um bode expiatório a que se atribuem muitas culpas. Ora, o que é certo, também, é que o misterioso dos seus actos não é mais que um impulso de autodefesa.
Durante séculos, o cigano tem sido olhado como “ovelha ranhosa”, o receptáculo resignado de culpas, que não tenham tremendos defeitos. Nada disso. Interessa para pôr o problema cigano no seu lugar, dar-lhe o valor que merece no actual contexto dos países ditos civilizados.
A partir do meado do presente século, em que tanto se fala de liberdade, de direitos humanos, de promoção social, os ciganos continuam a ser minoria ignorada, á margem da promoção social e dos direitos universais do homem. Continuam a viver tugúrios, nas piores condições infra-humanas, sem possibilidades de saírem da vida primitiva que tinham á cinco séculos atrás.
É certo que alguma coisa se começa a fazer com os Secretariados da Promoção dos Nómadas. É uma primeira chamada de alerta. Vislumbram-se algumas luzes de esperança no horizonte. O mais difícil é mudar a mentalidade dos gadjé, sobre o comportamento dos ciganos, que os obriga a ser diferentes de nós.
Para a maioria dos nossos, o cigano é ainda a encarnação do mal, o papão com que se amedrontam os meninos desobedientes. E eles consideram-se vítimas, porque se sentem desprezados, porque lhes é negado o acesso a muitas de suas justas aspirações. Sentem-se repelidos por uma sociedade que os força de viver isolados, tornando-lhes a vida impossível; sentem-se vítimas de estruturas sociais, em que sé o dinheiro e o poder se fazem ouvir.
A nossa sociedade de consumo não conhece os ciganos. Ignoramos que “as regras de moral diferem com tempo, a raça e as crenças das várias culturas”, como afirmam os antropólogos.
Pessoalmente, estamos convencidos que a persistência estes preconceitos acerca do povo cigano se fundamentam no nosso desconhecimento da sua cultura e tradições. Não se pode ajuizar do comportamento dum povo, sem ter em conta a sua peculiar idiossincrasia, que marca e caracteriza cada um .
É esta a nossa opinião, pois, antes do nosso contacto directo com este povo, assim pensávamos também; hoje, o conhecimento da nossa cultura leva-nos a admirá-los.
“ Conforme vós sois poderoso ou miserável,
Os juizes do mundo vos tornarão branco ou preto”
Os ciganos e as Leis
A situação marginal do cigano leva-o à fuga das leis, e aos conflitos com as autoridades.
Os delitos mais frequentes cometidos pelos ciganos contra as leis do país em que vivem são essencialmente: o roubo e a fraude. Para eles, o roubo não é considerado crime, quando é realizado para matar a fome aos filhos e familiares, desde que não prejudiquem a pessoa daquele que foi roubado. A burla para eles é um meio de ganhar a vida e um sinal de estupidez por parte da pessoa burlada.
A burla é praticada através do negócio que fazem, exagerando a qualidade do produto e pedindo alto preço, para impressionar o cliente. É para o cigano uma virtude enganar os gadjé. É um tipo de fraude usado não só pelos ciganos, habitualmente no negócio.
Já os romenos tinham o mesmo Deus para os comerciantes e para os ladrões. É de facto, um delito em que todos os ciganos incorrem frequentemente. O roubo pratica-se menos que a burla. Para o cigano roubar uma galinha ou um cabrito não é roubo, quando o utilizam para comer. Do mesmo modo, roubar vime ou apanhar tábua para os cesteiros, não é tido como crime. Este comportamento do cigano contribui para que os gadjé os vão mantendo à margem, e sob cautela constante.
Mas há mais razões para que se criem conflitos entre ciganos e as autoridades. Muitos ciganos vendem na rua ou pelas portas sem licença camarária.
Além disso, muitos ciganos andam indocumentados dentro do país, sem modo de vida reconhecido. Tudo isto os torna suspeitos e mais vigiados, contribuindo para abusos de autoridade. A frequência de tais delitos e considerá-los como perigosos, serão as razões de um controlo policial especial.
Os conflitos entre si, procuram resolvê-los pelos seus processos de justiça tradicionais; mesmo se os têm com os gadjé, em geral não participam ás autoridades, para evitar serem lesados, só pelo facto de serem ciganos, indocumentados, sem trabalho fixo. Preferem sair do local, para longe.
Por seu lado a polícia e autoridades gadjé que têm contacto frequente com os ciganos, conhecem este particular procedimento de grande parte deles. Há que registar também que na maioria dos casos verificamos que se comete muita injustiça por parte das autoridades, porque estas têm uma imagem estereotipada dos ciganos - para as autoridades “O cigano continuará a ser mau, até que se prove o contrário.”
Etnia Cigana – Um Povo à Parte
Tríplice Marginalização
O povo Cigano sofreu, ao longo dos séculos, depois da emigração a que foi forçado pelas convulsões da Índia, de uma tríplice marginalização: social, jurídica e religiosa. Estas três dimensões definem o homem que tem direito á promoção, á cidadania e á evangelização.
Expressões populares, poesias do povo, anedotas, histórias de amedrontar, romances de fantasia, etc., podem servir de indicadores dessa marginalização social.
A nível jurídico, no período de 1525 a 1800 a população cigana está sujeita como qualquer malfeitor a leis fortemente repressivas. São espancados publicamente, deportados para as colónias, obrigados a residência fixa, forçados a internatos para as suas crianças, mantidos nas prisões e castigados com pena de morte.
De 1800 a 1972 não se altera substancialmente a legislação em vigor a não ser o que diz respeito á necessidade de passaportes. De 1972 até hoje, sublinha-se a lei comum para o cidadão, e, ou o indivíduo cigano se reconhece “paio” (o mesmo que não cigano) ou não tem, direito a existir. Daí a necessidade de vigilância continua, sem qualquer condescendência para uma etnia idiossincrasia tão peculiar e um comportamento tão especial.
Foi assim que se legitimou uma situação de marginalização efectiva, marginalidade que é fomentada das variadas formas.
A Marginalidade da Comunidade Cigana
Numa sociedade estruturada em castas, pouco espaço humano podia ficar para o povo cigano, cuja sorte era semelhante á dos Párias. O progressivo endurecimento do sistema de castas, não pôde suportar o seu espírito indomável, e os movimentos dos povos puseram os ciganos na rota da Europa.
Transplantados para ali, no meio duma sociedade urbana e campesina, totalmente estranha, ignorantes das suas línguas, assediados pela curiosidade, pela suspeita e malevolência duma mentalidade ciosa da sua religião e costumes, os ciganos sofreram um enquistamento. No inconsciente colectivo do povo cigano está profundamente enraizado um medo irracional ao homem branco, o temor ao estranho”.
Entre a população cigana há um mútuo conhecimento pessoal; quando um cigano aceita ou repudia outro cigano, fá-lo com verdadeiro discernimento de espírito.
Fora do grupo, ao contrário, ele sente-se como arremessado a um mundo totalmente inospitaleiro, enquanto que, no seu grupo, encontra segurança psicológica, refúgio, solidariedade, etc.
O indivíduo cigano; tem um horizonte de relações pessoais maior que o do não cigano; porém, nesse horizonte esgota-se a sua capacidade de sustentar relações abstractas, e manifesta-se reaccionário às que a vida urbana lhes impõe.
O indivíduo cigano só se sente cigano no seu clã. É raro encontrar um cigano só. O seu clã é numeroso não se limitando aos laços de sangue, mas a outros indivíduos ciganos da vizinhança.
Habitualmente, há sempre, por parte da população não cigana, dificuldades em manter um interacção com a população cigana, porque para muitos “cigano equivale a marginal”: A palavra “marginal” emprega-se em sentido metafórico para qualificar a posição de um indivíduo em relação á sociedade. Á medida que a participação destes na sociedade diminui, a marginalidade aumenta.
A população cigana residente em Viseu constitui uma minoria, caracterizada por aspirar a um modo de viver próprio que a distingue do conjunto da outra população e que, de certo modo, a coloca á margem. Neste caso trata-se duma minoria que é objecto de segregação, mas não significa que, ao falar-se em minoria, esteja necessariamente aliado a esse sentido.
Esta minoria é constituída com base na sua condição, género de vida e de cultura muito diferente da nossa sociedade. Deste modo se criam ligações afectivas e afinidades que tendem a afastar este grupo do resto da população, ainda que ele se encontre disperso no seio dela.
A segregação que existe perante esta etnia, é sobretudo devido a diferenças de cultura, de comportamentos colectivos, de costumes.
Ninguém contesta que os ciganos são um povo marginalizado. Ele sente-se excluído da sociedade.
Queixam-se da injustiça com que são tratados, só pelo facto de serem ciganos. Não podemos esquecer que eles próprios, ás vezes, são culpados, porque não aceitam as leis como qualquer indivíduo não cigano.
Efectivamente, no seio da população cigana, há muitos indivíduos que vivem á margem da lei, mas isso acontece também com os não ciganos. A verdade é que a população cigana tem sido o “bode expiatório” a que se atribuem muitas culpas.
As técnicas utilizadas nos séculos passados para a integração da população cigana na sociedade, não resultaram: coerção, violência mais ou menos disfarçada, foram métodos adoptados, esquecendo-se que o homem é algo mais que uma máquina ou um número da colectividade. Essa atitude de violência cria geralmente um sentimento de autodefesa e marginalidade em face do grupo poderoso.
A marginalidade e segregação ciganas não são somente o resultado do desprezo ou indiferença com que foram tratados; eles também contribuem com a sua apatia e desconfiança para manter essa situação.
A marginalidade de que é alvo a população cigana concretiza-se num sem número de situações e carências que têm de enfrentar no seu dia a dia. A própria palavra “cigano” é como um estigma que os marca e identifica da maneira mais cruel. Para a maioria das pessoas os termos “cigano” e “honradez” são contraditórios.
Existe uma barreira de preconceitos que é necessário ultrapassar para que a compreensão e convivência social conduzam á promoção desta minoria marginal e diminuída. Para essa promoção contribuirá proporcionar-lhes condições de acesso sócio- económico e cultural, na sociedade em que estão inseridos.
Embora considerados portugueses e visienses pelo nascimento, os nossos ciganos vivem num mundo á parte.
O racismo de que são vítimas, a sua actual segregação para determinados lugares geográficos, explicam em parte a sua marginalidade.
A marginalidade a que se vêem compelidos, tem como consequência a sua desconfiança para com a nossa sociedade, na qual são pouco inclinados a integrar-se, o que reforça o racismo da população não cigana para com a população cigana.
Para a população não cigana é o “papão”, o sem lei, que perpassa pela nossa sociedade, sem ligar aos seus preceitos escapando ás leis. Se a população cigana aceitasse trabalho nas fábricas, renunciasse á sua liberdade, á sua vida do dia a dia, para se conformar com as nossas leis, com o nosso mundo, talvez os preconceitos para com ela se fossem atenuando.
Os seus valores, o seu código moral são, de facto, valores- refúgio originados na sua longa marginalização.
A população cigana pensa que, sendo rejeitada pela não cigana, é superior a ela pelos seus sentimentos humanos.
Ostentando sentimentos de respeito pelos anciãos, amor aos filhos, a solidariedade, a hospitalidade, desprendimento dos bens materiais, consideram-se mais humanos do que nós.
Todas as culturas são mais ou menos etnocêntricas face aos estranhos. A cultura do povo cigano também tem o seu racismo, proveniente dum etnocentrismo que se tem mantido através dos séculos.
Há uma lenda cigana sobre o origem da humanidade que pode servir de apoio ao racismo cigano. Reza assim:
“Quando Deus criou o mundo, para que a sua obra ficasse completa, acabou por criar o homem. Fez um boneco de barro e pô-lo a cozer no forno. Entretanto, deu um passeio pelo Éden, e esqueceu a obra que deixara ao forno. Quando foi por ela, encontrou-a já queimada, como carvão. Nasceu o antepassado da raça negra.
Não contente com este tipo de homem, fez outro e voltou a pô-lo no forno. Mas, pensando no que sucedera ao anterior, tirou-o antes de estar bem cozido, e saiu-lhe pálido. Surgiu a raça branca.
Mas como nenhum deles era o tipo de homem ideal, tentou terceira experiência. Desta vez foi espreitando o forno, e, ao tirá-lo, sai-lhe bronzeado. Assim surgiu o antepassado dos ciganos”.
Deste modo, pretende a população cigana explicar que ela constitui uma raça, senão superior, pelo menos distinta.
A situação marginal da população cigana tem raízes muito profundas. Se ela se mantém alheia ao nosso progresso e tecnologia, a razão não se baseia apenas na característica da sua tradição. Efectivamente, a nossa sociedade, com a sua atitude dominadora, tem-lhe vindo a cerrar as portas do progresso e da ciência.
A população cigana sentiu-se implantada no seio de uma sociedade que, na verdade, pouco ou nada se tem preocupado com ela. Esta situação, é claro, ocasiona marginalidade.
A sociedade começa agora a mentalizar-se para compreender a população cigana, no desejo da sua promoção sócio- económico e cultural, sem destruir a sua cultura milenária que tem subsistido na sua peculiaridade.
O Racismo contra os Ciganos
Os Meios de Comunicação da União Europeia
Objectivo
Objectivo desta campanha é conhecer a relação entre os meios de comunicação e as manifestações racistas nos países membros da União Europeia, especialmente no que diz respeito ao povo cigano. Para tal , foi necessário o apoio da Direcção General V (Emprego, Relações Industriais e Assuntos Sociais) da Comissão Europeia.
Importância dos meios de comunicação social
A importância social dos meios de comunicação nas sociedades modernas faz com que a sua atitude seja fundamental para o estudo do racismo. Concretamente, o tratamento concedido as minorias étnicas pode fomentar atitudes racistas ou, pelo contrário, ajudar a evitá-las.
A Criação dos Estados de Opinião
Para ninguém constitui um segredo que os meios de comunicação social são os artífices, em grande medida, da criação dos "estados de opinião". Antigamente ouvia-se dizer, que o que não aparecia nos livros não merecia crédito, hoje em dia pode afirmar-se que o horizonte cognitivo da maioria dos cidadãos se encontra determinado, quase completamente, pelo conteúdo dos meios de comunicação. Isto chega a tal ponto que, sem fugir a dúvidas, o que não aparece publicado ou reconhecido pelas câmaras e microfones não aconteceu, no entanto, o que foi emitido determina, por vezes de modo infeliz, a opinião dos cidadãos a esse respeito.
Os Ciganos: Artistas ou Delinquentes
Neste sentido, o tratamento que o povo cigano recebe através dos meios de comunicação traduz-se numa das maiores barreiras que evitam a sua convivência harmoniosa com a sociedade majoritária.
Jornais, emissoras de rádio e cadeias de televisão tende-se a centrar o tratamento informativo sobre os ciganos, em temas específicos como o artístico ou o da delinquência. Não deixam de ser concepções superficiais, baseadas em preconceitos, que estão longe de difundir uma concepção ampla e rigorosa do povo cigano. Uma concepção que dá a conhecer que se trata de um povo com uma história, uma cultura e uma língua próprias, diferente mas nunca inferior.
Discriminação no Tratamento da Notícia
Assim, todos estamos acostumados a ler nos jornais, fundamentalmente nas páginas do sensacionalismo, sobre "indivíduos de aspecto cigano" ou, simplesmente "ciganos".
Tanto nos jornais como na rádio e televisão há ecos de acontecimentos de algum carácter delinquente, mesmo que daí resulte que os ciganos não tenham sido culpados pelo acontecido.
No entanto, o certo é que tal relação já posta na prática, acaba por provocar uma associação terminológica, cigano- delinquente que estraga entremente o prestígio e respeito a honra a que têm direito os ciganos europeus, tanto individualmente como enquanto colectivo cultural.
Solidariedade Europeia para com as Minorias étnicas
Tudo isto exige que o povo cigano possa contar com os meios próprios para contestar, de um lado, as informações falsas ou exageradas que sobre estes se difundem; de outro lado, a imagem estereotipada ou folclórica que alguns autores têm dessa comunidade; e, finalmente, para potenciar e difundir tudo o que de positivo se realiza à volta deste povo, promovendo ao mesmo tempo, a cultura cigana como património que pertence não somente aos 2.000.000 ciganos que vivem na União Europeia, mas também a 10.000.000 cidadãos que integram o povo cigano europeu.
Igualdade para o Povo Cigano
Incidentes com ciganos:
Um vector que encontramos quanto a fenómenos de intolerância e de discriminação, é o da população cigana.
Para esta população, foi realizada uma jurisprudência para se seguir um caminho no sistema jurídico nacional, com o fim de impor a igualdade.
A população cigana é por vezes objecto de actos e de ameaças por parte de algumas populações, e por vezes de algum poder público, para levar à expulsão de um direito de residência.
Em 1996, sob forte pressão da população, vila verde decidiu a destruição do alojamento das populações ciganas alegando tráfego de drogas.
O Governador civil de Braga opôs-se imediatamente, formulando uma recomendação pedindo a reintegração do povo cigano.
Um tempo atrás, a família do chefe de uma comunidade cigana, assim como ele também, foram alvo de uma precedência criminal de tráfego de droga. Deste procedimento resulta que esse chefe de família e a maior parte dos ciganos foram julgados inocentemente.
No que respeita à discriminação racial, Portugal caminha no bom sentido.
Portugal conhece, em comparação com outros países europeus, poucos fenómenos de discriminação e de preconceito. No entanto os movimentos de intolerância que Portugal conheceu, são suficientemente graves que merecem uma real atenção.
Portugal, foi um dos países que se esforçou na legislação e na prática de encontrar os meios adequados para fazer face aos fenómenos de discriminação racial, de racismo, de preconceito e de discriminação.
Convém ainda referir que Portugal não ignora as dificuldades no plano económico, dificuldades essa que atingem sucessivamente as minorias étnicas e os estrangeiros. É assim que existe a luta activa para promover a melhoria das condições de vida, assim como, das populações que se encontram marginalizadas pela sua situação étnica em vez de fazer valorizar a solidariedade social, que está na base de toda a sociedade humana democrática. Mesmo que o caminho a percorrer continue longo, as acções promovidas ao decorrer destes últimos anos, atestam um profundo desejo de assegurar uma vida digna a todos os que, por uma razão ou outra habitam o território português, e que são submetidos ás mesmas leis.
GRUPO DE TRABALHO PARA A IGUALDADE E INSERÇÃO DE CIGANOS
Também foi criado o grupo de trabalho para a igualdade e a inserção de ciganos, para a resolução do conselho de ministros 157/96, de 19 de Outubro, perseguindo 2 objectivos fundamentais: de um lado, análise detalhada das dificuldades de inserção dos ciganos na sociedade portuguesa e , por outro lado, a elaboração de proposições que permitissem contribuir para a eliminação destas situações de exclusão social.
Em Janeiro de 1997, o grupo de trabalho (sobre a presidência do autocomissário para a emigração e as minorias étnicas), apresentou um dossier de actividades, onde os tratos fundamentais foram o reconhecimento de uma certa tendência da sociedade portuguesa à exclusão e à indiferença dos ciganos.
Reflexão Pessoal
Perspectivas de mudança da cultura Romani
A cultura dos Ciganos, representada por um conjunto de tradições e crenças, está em fase de constante mudança e, em alguns casos, está-se a desagregar de maneira irreversível perante a hegemonia da cultura da sociedade sedentária.
Existem, todavia, algumas mudanças que permitem prever um caminho em direcção a uma tomada de consciência difundida entre Rom, Sintos e Gitanos.
No plano social e político, no decorrer dos últimos anos, foi-se delineando um amadurecimento, que resultou no surgimento de formas associativas e de movimentos de âmbito internacional.
Remonta à metade dos anos 60 a fundação da União Internacional Romaní, seguida pelo surgimento de numerosas Organizações Ciganas, que apareceram no decorrer dos últimos 30 anos defendendo a causa da minoria cigana e tutelando a sua cultura. Algumas delas contam com a participação conjunta de Ciganos e gadjé, outras são geridas exclusivamente por membros das diversas comunidades ciganas.
Encontramo-nos, portanto, diante de uma realidade complexa e às vezes difícil de decifrar.
Em torno de situações de desagregação social e à perda de identidade, surgem sinais contrapostos de esperança e de renovação que testemunham uma rebelião contra um destino amargo.
Todos nós somos chamados a defender o direito à diferença; uma diferença que, no caso dos Ciganos, pode talvez conter aspectos que para muitos são difíceis de entender e de compartilhar. É preciso ter consciência de que tais formas de "desvio social" não são peculiares à cultura romaní, mas frequentemente, são consequência da secular rejeição oposta a estes pelas sociedades circunstantes.
Os Ciganos constituem talvez o último desafio a um modelo de vida voltada à especulação e ao cimento: o futuro deles depende, em última instância, de cada um de nós.
Eles continuarão a existir na medida que a sociedade dos gadjé não ficar indiferente às suas ansiedades, aos seus problemas e às suas aspirações.
Glossário
Ciganos- palavra usada para descrever os Rom e outros nómadas com o mesmo estilo de vida. Deriva da palavra “ egipciano”, porque a certa altura pensava-se que os Rom tinham vindo do Egipto.
Rom- Pessoa que pertence a um grupo étnico de origem Indiana. Também usado como adjectivo, e para o conjunto do povo.
Romani- a língua Rom.
Kalé- um sub- grupo dos Rom da Europa
Luri- Nómadas não Rom
Bibliografia
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